segunda-feira, 16 de julho de 2012

No Escurinho do Cinema

Praça  Getúlio Vargas / Caratinga MG

A pretensa demolição do Cine Brasil causou alvoroço na cidade. E com razão. Ele faz parte da Memória de Caratinga e é uma obra de arte. Inaugurado em l947 retrata o estilo arquitetônico da época. Guardar a Memória é guardar a história do povo e preservar sua identidade. 
Gente sem Memória é sem raízes. O povo sem passado é povo cujo futuro é sempre um recomeço sem lições. Os países mais desenvolvidos do mundo sabem da importância de se preservar o passado, e guardam prédios importantes, artes e elementos originais de cultura como relíquias. 
Como exemplo, temos a catedral que foi tombada e preservou as características arquitetônicas da obra – belíssimo cartão postal da cidade. Também, o Palácio do Bispo que, restaurado, guarda a beleza do passado, e a antiga casa de Dr. Agenor Ludgero Alves transformada em Casa de Cultura pela família Leitão. 
Muitas cidades erguem prédios guardando a carcaça da obra primitiva. Vejo muitas pessoas confundindo tombamento com demolição. Tombamento é a restauração da obra que poderá servir para os mesmos fins anteriores ou para outros fins de igual valia, sem descaracterizar os antigos valores. Demolição é destruir a obra. Dos tempos áureos do Cine Brasil, não há caratinguense que não tenha lembranças de filmes, espetáculos teatrais e cantores famosos passados por essa casa de espetáculos. Caratinga e redondezas viveram momentos inesquecíveis de entretenimento. Quantos casais se beijaram no escurinho do cinema… Não só saudades das inocentes carícias fazem a importância do local, mas toda a trajetória de progresso. Ainda bem que a justiça, sensível à questão, sabedora do valor de um bem histórico e atenta ao clamor do povo, suspendeu a ação. 
O tombamento – assinado antes pelo prefeito – dará melhor destino ao estabelecimento. Manifestações de repúdio à demolição dão conta da insatisfação dos caratinguenses daqui e de todo país. Está visto: o Cine Brasil mora no coração da gente. 

No mesmo dia em que houve a questão do Cine Brasil, fomos sacudidos pela notícia do desligamento do Edra da Casa Ziraldo de Cultura. É difícil ver outra pessoa governando o tesouro que o Edra concebeu, lutou por ele e inaugurou depois de tantos esforços e tanta dedicação. Nós acompanhamos a realização do projeto, desde o nascimento à conclusão. Conhecemos de perto sua luta, seu idealismo, seu sofrimento mesmo. Sim. Muitas vezes o vimos triste diante das impossibilidades, das dificuldades que, a cada dia, se interpunham entre seu sonho e o desencanto. Mas com fé, lidas, orações da mãe santa e companheira, ele venceu etapas e seu ideal tomou forma e se fez verdade. Dirigia a Casa com zelo, entusiasmo e brilho nos olhos, recebendo visitantes e eventos a mostrar o benefício que o espaço trazia ao povo. Sabemos que o novo dirigente é capaz para exercer o cargo, mas o que está em jogo, não é a tarefa de conduzir o estabelecimento. Trata-se da ética – ciência do bem e do bom. Ela lida com valores e sua palavra de ordem é o respeito. E do respeito surgem outros valores, como a igualdade, a liberdade, a consideração. A Casa Ziraldo de Cultura tem a cara do Edra e guarda a alma dele em cada canto, em cada detalhe. Penso que o novo dirigente vai se sentir um pouco deslocado, como se carregasse um anel apertado no dedo, ou um sapato largo no pé. Diante desse fato, meu pensamento busca Julimara, primeira-dama, que soube tão bem se conduzir por todo tempo do governo do marido. Lidamos com ela em muitas comemorações e no dia a dia, e sabemos da sensibilidade e elegância de seus gestos. Ela sempre considerou os valores eternos que devem nortear a conduta humana. Por sua força junto ao mandatário maior do município, sei que poderá intervir com sucesso e levar em conta o trabalho e o talento do Edra. 

Escritora Marilene Godinho

Fonte: Diário de Caratinga / Edição de 13 de junho de 2012

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